Brasila report

Sexta-feira, 14 de Fevereiro de 2020
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É preciso preparar melhor o discurso

Paulo Guedes precisa entender que em sua agenda não há eventos fechados. Sempre que discursa, a imprensa transmite e o Brasil ouve. Arroubos verbais podem prejudicar a agenda da própria equipe econômica

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um tipo sincero. Daqueles que fala mesmo o que lhe vem na cabeça. Esse é um dos motivos pelo qual ele criou uma conexão tão forte com o presidente Jair Bolsonaro, que também não é conhecido por ter qualquer tipo de restrição verbal. Boa parte das vezes, a sinceridade de Guedes ajuda seu trabalho de aprovar as mudanças que a economia brasileira necessita. Ao contrário do comportamento tradicional das autoridades brasileiras, o atual comandante da equipe econômica não disfarça os problemas. Ao contrário, os escancara. No caso da reforma da Previdência, isso foi fundamental para criar o clima necessário à aprovação de medidas duras.

Mas, assim como Bolsonaro, Guedes muitas vezes tropeça na sinceridade. E, com isso, aumenta as resistências às suas ideias. Na semana passada, exasperado com as resistências dentro do próprio governo ao projeto de reforma administrativa, o ministro comparou funcionários públicos a “parasitas”, numa crítica às políticas que garantiram aumentos reais de salários aos servidores, mesmo com déficit nas contas da União. A reação foi péssima não apenas entre os integrantes das carreiras de Estado, mas também no Congresso. O resultado foi mais um recuo do governo, que passou a falar na possibilidade de nem sequer enviar ao Legislativo uma proposta de emenda constitucional de reforma do Estado. A opção seria tentar fazer mudanças em projetos já em tramitação, de autoria de congressistas.

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Nesta semana, ao defender o câmbio com o dólar valorizado a recordes históricos, o ministro voltou a passar da linha. Ao defender que essa é a nova realidade a qual o Brasil precisará adaptar-se, disse: “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vamos importar menos, fazer substituições de importações, turismo. Era todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada”. E completou, sugerindo um novo roteiro turístico: “Vai passear em Foz do Iguaçu, vai passear no Nordeste, está cheio de praia bonita, vai para Cachoeiro do Itapemirim conhecer onde Roberto Carlos nasceu.”

No caso dos “parasitas”, Guedes começou a pedir desculpas no mesmo dia e continua a tentar corrigir o estrago. Na quarta-feira, disse que foi mal interpretado e que o parasita a que se referia era o Estado e não os servidores públicos como indivíduos. No mesmo dia, iniciou nova crise com a fala sobre as empregadas domésticas. Desta vez, o ministro percebeu a gafe mais rapidamente e tentou corrigir ainda durante a fala no mesmo evento. “Vão dizer: ‘Ministro diz que empregada doméstica estava indo para a Disneylândia’. Não, o ministro está dizendo que o câmbio estava tão barato que todo mundo estava indo para a Disneylândia.” Apesar do esforço, não reverteu o mal estar. Sua fala ganhou destaque imediato.

As duas falas se deram em eventos privados, mas abertos à imprensa: um seminário da Fundação Getúlio Vargas e outro promovido por uma revista. Guedes e sua assessoria precisam entender que, no caso dele, não há eventos fechados. Seja qual for o tamanho da plateia, o ministro da Economia estará sempre falando para todo o país.

A fala de Guedes ajuda a reforçar a impressão de que o governo não se preocupa com os mais pobres. Algo que a oposição de esquerda certamente vai explorar na campanha eleitoral deste ano. Sem os pobres, é sempre bom lembrar, não há reeleição para Bolsonaro. O governo aposta que sua política econômica dará resultados e esses repercutirão na qualidade de vida das pessoas e, portanto, em seus votos. Ironicamente, a pergunta a que Guedes respondeu sobre câmbio no seminário de Brasília veio num dia em que o real perdeu valor diante da frustração de uma dessas expectativas. A informação de que as vendas do varejo recuaram 0,1% em dezembro de 2019 fizeram com que o mercado passasse a acreditar em mais um corte nos juros, o que influenciou na alta do dólar.

O ministro provavelmente não lembrou, mas sua fala provocou outra ironia histórica. Nas manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, se tornaram marcantes imagens de pessoas com cartazes que diziam: “Fora Dilma, quero meu dólar novo a R$ 1,99” ou de crianças com dizeres “Fora Dilma, quero ir pra Disney de novo”. Guedes mirou nas empregadas domésticas, mas o câmbio também está apertando a rotina da classe média. Que pode não gostar nada de trocar Orlando por Cachoeiro do Itapemirim, Foz do Iguaçu ou as belas praias do Nordeste.

Gustavo Krieger

Consultor Sênior da JeffreyGroup
em Brasília
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